"A inteligência artificial vai aumentar a eficiência"
Inteligência artificial, aprendizado de máquinas e ciência de dados. Os termos tecnológicos que aos poucos vão ganhando força dentro das empresas precisam ser acompanhados de uma mudança cultural entre os funcionários. Essa é a principal avaliação de Nir Kalderoç
Pela primeira vez no Brasil para ministrar um curso para executivos, o especialista destacou que o futuro será cada vez mais marcado pela interação entre homens e máquinas. Por isso, acredita ele, desenvolver essas habilidades é fundamental para permitir que as empresas ganhem mais agilidade na hora da tomada de decisões. Veja os principais trechos da entrevista.
NIR KALDERO é autor do best-seller “Ciência de dados para executivos” (Data science for executives, no original), e líder da área de Ciência de Dados da Galvanize, instituição de ensino com sede nos Estados Unidos especializada em desenvolver ecossistemas de tecnologia para empresas e start ups.
Quais investimentos as empresas têm de fazer para se tornarem digitais?
A transformação digital normalmente começa do topo, com os executivos e os líderes empresariais. Eles precisam alinhar e realinhar a organização para se tornar digital e investir em infraestrutura de tecnologia, com a ciência de dados, a inteligência artificial e criar um processo cultural de pessoas dentro da empresa. São iniciativas de cima para baixo. Há uma grande lacuna quando se trata de conhecimento entre os executivos sobre inteligência artificial e machine learning (aprendizado de máquinas). Se você pergunta a um executivo o que é o machine learning, ele não é capaz de responder. A única forma de preencher essa lacuna é fornecer educação. E quando a direção da empresa entende qual é o objetivo dessas tecnologias e o que elas podem gerar de receitas, ela consegue saber quanto é necessário investir e, assim, criar estratégias. O núcleo dessa quarta revolução industrial é a inteligência artificial. Tudo se resume a dados.
Então, o primeiro passo é investir em educação?
Estamos na quarta revolução industrial, que também é a era dos dados. E nesse contexto o maior problema é ter essas habilidades. A tecnologia será responsável por 100% das mudanças nas nossas responsabilidades. É preciso pensar em como fazer essa nova economia funcionar para todos. Por exemplo, ter um diploma não vai mais te garantir ter um bom emprego no futuro. No Brasil há mais de 12 milhões de pessoas desempregadas, e a indústria de tecnologia aqui no país gera mais de 1,3 milhão de empregos. Há dois caminhos para isso. Primeiro, as empresas precisam investir em treinamento e dar a oportunidade a seus funcionários de adquirir habilidades relevantes que são necessárias para a indústria. Nos Estados Unidos, as companhias criaram novos cargos de olho nessa nova era. Do outro lado, o governo também deve desempenhar um papel, investindo no ensino superior e, basicamente, abrindo mais caminhos para o ensinamento da tecnologia. Só assim as pessoas vão conseguir integrar esse conhecimento ao seu dia a dia nas empresas.
Mas as companhias já estão investindo nessa cultura de dados, de transformação digital?
A tecnologia está criando rupturas em todos os setores. Não há uma área da economia que não esteja sendo afetada pela inteligência artificial. Quem não adotar essa tecnologia na sua base estrutural não vai sobreviver mais oito anos. Nos Estados Unidos, houve um grande pânico nos dois últimos anos, pois as companhias sabem que, se não investirem, não serão capazes de competir no cenário competitivo da quarta revolução industrial. Por isso, começou uma corrida a essas tecnologias, como inteligência artificial e técnicas de aprendizado de máquina para melhor aproveitar os dados e ajudar as empresas a tomarem as melhores decisões. A inteligência não é mais uma fantasia futura. Estamos em um ponto crucial na história onde todos devem conhecer e compreender como ativar, implantar ou pelo menos interagir com essa tecnologia. Eu acho que podemos aproveitar a tecnologia para realmente reconstruir indústrias e torná-las melhores.
Mas como essas tecnologias podem ajudar na relação das empresas com os clientes?
Uma empresa não se tornar digital significa não saber como atender os clientes de uma maneira inteligente. Analisar os dados, por meio da tecnologia, vai permitir entender a melhor maneira de se relacionar com os seus consumidores, seja por e-mail, mensagem de WhatsApp ou SMS. Isso ajuda a atrai-los. Os dados ajudam ainda a desvendar como os clientes e consumidores se comportam e o que pensam e, assim, as empresas conseguem mudar os seus produtos e serviços. Isso permite encontrar soluções específicas. E, para isso tudo, você precisa olhar esses dados e refiná-los.
Dentro desse cenário, quais serão então as habilidades necessárias para homens e máquinas?
Estamos numa era de homens e máquinas. Mas não é apenas um ou o outro. Tem de ser uma colaboração entre os dois. A inteligência artificial das máquinas é apenas uma ferramenta que vai substituir os homens em tarefas repetitivas. Por exemplo, não conseguimos processar 10 milhões de dados por dia. Então, precisamos confiar na tecnologia para que esse volume de informação seja processado de forma justa e imparcial. Esses 10 milhões de dados podem gerar, por exemplo, sete opções para que nós, humanos, possamos analisar. Assim, podemos escolher essas opções com base na nossa experiência e intuição em relação ao nosso conhecimento e decidir qual delas é a melhor para a tomada de decisões.
Por que as pessoas ainda têm medo das máquinas?
Em um tempo de riqueza de dados, as pessoas têm medo das máquinas porque elas ainda não entenderam que a inteligência artificial ajuda nosso cérebro. Temos todos esses filmes de terror em Hollywood que falam sobre como as máquinas conquistaram o mundo a partir dos humanos. Trabalho com as maiores empresas do mundo que criam tecnologia, chips e hardwares, e o que posso dizer é que o principal objetivo da tecnologia é ajudar o homem na tomada de decisões e não substitui-lo. Outro propósito é como usar esses dados para fazer previsões. Para isso, é preciso muita transparência para que as pessoas entendam como a tecnologia funciona. Não se esqueça de que estamos no início dessa tecnologia. A inteligência artificial é apenas uma ferramenta que sugere os caminhos. Somos nós que controlamos o futuro da inteligência artificial.
O brasileiro também tem medo da inteligência artificial?
Parece que no Brasil há muito mais pessoas com medo de tecnologia, especialmente na faixa dos 30 anos. Fiz uma pesquisa antes de vir ao país e percebi que os brasileiros acreditam que a inteligência artificial vai tornar mais difícil encontrar empregos e igualar a renda. Acham também menos provável que a tecnologia vai tornar a economia eficiente. E isso está completamente errado. A tecnologia vai gerar mais empregos e aumentar a igualdade de renda. A inteligência artificial vai aumentar a eficiência e permitir o crescimento. Deveríamos estar cientes disso. Essa é uma bandeira vermelha no Brasil. E significa que devemos fornecer mais educação sobre inteligência artificial.
Então, as empresas no Brasil não são digitais ainda?
Há muito potencial aqui. Empresas globais estão lançando centros de pesquisa no Brasil com foco em desenvolver soluções de inteligência artificial. O sistema bancário, por exemplo, vem aumentando os seus esforços em desenvolver novas soluções para aumentar os negócios e reduzir os custos. O Brasil está se tornando um dos maiores sistemas bancários do mundo.
E quanto tempo vai durar a quarta revolução industrial?
Já estamos no meio da quarta revolução industrial. Há muito trabalho a ser feito em pesquisas e no desenvolvimento do aprendizado de máquina e da inteligência artificial. Estamos ainda nos primeiros passos da computação quântica e do blockchain. Vamos ter ainda pelo menos 50 anos para ver essas tecnologias mais maduras e provavelmente o mundo vai se mover para a quinta revolução industrial. É quando essas tecnologias que estamos construindo hoje ganharão escala.
Fonte: O Globo. Publicado em 14 de abril de 2019
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